sábado, 10 de setembro de 2011

carona







- nossa, que bom que você parou, eu já estava na estrada há umas duas horas nesse ponto, ninguém parava.

 - é, né... para onde você está indo?

 - São Paulo

- certo. Bom, vou até Sorocaba. Te deixo no trevo. Daí para chegar em São Paulo é fácil. ...  Deve ser difícil conseguir carona, né. Eu mesmo não costumo dar. Só parei mesmo porque vi que você é músico. O que você toca?

- então, toco guitarra. É que vou tocar esse fim de semana e como o pessoal do bar não nos deu grana para viajar...

- pô, o pessoal não ajuda nem com a viagem?

- é, tocamos sem receber. Aliás, nós pagamos para tocar, né. viagem custa caro... enfim, como não nos pagaram, nós resolvemos pegar carona. Como tava difícil, nos separamos. O outro que estava comigo já conseguiu. Só faltava eu.

- porra, heim. Ter que pagar para tocar é foda, heim.

- é ... a gente tem que se sujeitar as vezes, né

- é, sei

- e além de músico, é o quê?

- faço faculdade. psicologia

- psicologia. só tem louco nesse curso, né? eu tive um sobrinho que fazia psicologia. acabou não terminando. ele se drogava muito, acho, ficou bobo depois. hoje ele tem 32 anos e é aposentado por invalidez. sempre vai num lugar lá em campinas.

- puxa!

- mas tem bastante mulher no curso, né?

 - tem sim. Tem bastante.

- o foda é que viado também, né?

- tem bastante gay sim ...

- não gosto de viado. Nessa cidade acho que tem muito. Sempre quando passo aqui e vou almoçar no shopping, fico olhando bem quem está do meu lado. E pra ir no banheiro então: é só entrar pra mijar, já vem dois, um de cada lado ficar olhando seu pau enquanto mija.

- (putz, que cara idiota) hmm.sei..., e o que você faz da vida?

 - trabalho com vendas. Percorro essas cidades toda semana. Trabalhar assim é meio solitário, sabe.

- hmm

 (silencio por alguns minutos)

 - sabe, quando eu era jovem, costumava pegar carona também . mas naquela época era diferente. Acho que era mais seguro. A repressão era maior, a polícia era melhor. O pessoal fica falando hoje de época militar ter sido ruim, mas pelo menos era seguro.

 - (ai meu deus, onde é que eu me enfiei?)

 - esses dias um guarda me parou. Ele tava com duas mulheres. Falou pra eu dar carona para elas. Dei, né. Ai uma já foi falando assim para a outra. ‘’ó, se tiver que dar, dá você dessa vez porque eu to cansada’’. Elas tinham acabado de pegar carona com um caminhoneiro que tinha cobrado a carona comendo uma delas. ‘’não, não quero comer você não, vocês não me agradam’’ falei. Elas pensando que eu ia comer elas...ai ai ai. Você tem namorada?

- tenho sim.

- hmm, e ela deixa você pegar carona assim?

- não gosta muito não.

-  é perigoso, né. Tem uns caras que abusam mesmo. E você? Tem medo de pegar carona? Porque assim como quem dá carona, quem pega deve ter algum medo também, né? Qual é o seu medo?

 - ...(começo a olhar ressabiado para o cara) não tenho muito medo não, mas fico com pé atrás de quererem me roubar.

 - e de ser estuprado? Não tem medo não?  E de ser morto?

- por que a pergunta?

- calma, calma. To te assustando, né? Só estou perguntando. Pra fluir uma conversa. É bom conhecem quem está andando com você.

- não. Não tenho medo não. (olhando fixo para a cara, ressabiado)

- sei. Mesmo se a pessoa tiver uma arma?

- (puta que pariu. To ferrado) mesmo assim!

- gosto de gente assim como você, com fibra, sabe. Sangue no olho. Por que já ouvi muita gente dizendo que deixaria ser estuprado para não morrer. É bem legal esse ideal de lutar por você mesmo. Gosto disso.

(silencio de muitos minutos)

 - me fala uma coisa. Que tipo de som é o de vocês?

- é rock. ...um tipo de rock.

- hmm um ex. namorado da minha filha era rockeiro também. Tinha uma banda lá em Sorocaba. Acabou morrendo, coitado. Num acidente de carro. Ele até parecia com você: Tinha uma barba assim, um cabelinho desse jeito. Um sorrizinho também.

- ah. Que triste, né

- não sei se foi triste não. Eu não gostava muito dele para dizer a verdade. Mas que isso só fique aqui. Eu nunca contei isso para ninguém.

-  e por que está contando para mim agora?

- porque você faz psicologia. (e ri) brincadeira. Porque não nos conhecemos e eu sei que você não contará a ninguém ... olha, eu acho que vou precisar parar ali naquele posto para dar uma mijada, viu.

 - tá bem.

 - meu pau tá cheio e mijo, preciso dar uma esvaziada nele, sabe? Colocar ele pra fora,  mandar ver. Mandar ver tudo mesmo. E ficar aliviado depois.

 - sei...

(paramos no posto)

- bom, vou lá dar uma mijadinha. (abre a porta, percebo que ele pega uma arma que estava de baixo do banco e coloca no bolso, e deixa aparecendo um pouco da coronha), vou fechar o carro. Você não vem?

- não não. Pode ir.

- olha, acho melhor você ir ...porque depois você vai ficar com vontade e ainda falta muito até Sorocaba

- mas não estou com vontade mesmo

- tá bem então

- (putz. Vou pegar minhas coisas e cair fora daqui. Eu que não vou ficar com esse cara.  Ainda bem que nesse posto até que tem um pessoal, preciso pegar minha coisas)

(alguns minutos)

- pronto, vamos?

- é. Então, enquanto você foi no banheiro, conversei com um caminhoneiro, ele tá indo direto para São Paulo e vai parar perto de onde eu preciso. Vou com ele daqui.

- você tem certeza? Comigo, até Sorocaba você está garantido e seguro.

- eu sei, mas é que com ele já vou direto, obrigado pela carona. vou pegar minhas coisas no carro.

- bom, se é o que você quer. Tudo bem.

 - é...

- boa sorte ai na estrada e bom show. cuidado, tem muito maluco que a gente nunca sabe o que pode fazer, né.

- pode deixar

(peguei minhas coisas e ele foi embora, voltei para a pista, 30 minutos pedindo carona. 6 horas depois estava onde precisava, aliviado.)

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