terça-feira, 27 de setembro de 2011

A Uruca obrando na existência física dos seres

                Continuando a benção que a deusa Uruca dá aos nullius, me lembro de diversas vezes que apareceram convites para apresentações, mas que por um ou outro motivo, a banda acabou por rejeitar.
                Muitas vezes eram questões trabalhistas, ou pré-trabalhistas: os chamados concursos. Não é por falta de vontade. É que a banda não rende uma grana que os dois seres consigam pagar suas contas. É uma questão de sobrevivência e de ter grana para conseguir pagar as passagens (nem sempre rola uma ajuda de custo. Como eu sempre digo: o importante é tocar, carvalho!).
                O problema é que em algumas destas oportunidades, alguns sinistros aconteceram com os membros. Sinistros físicos, debilitando a capacidade físico-motora para as apresentações. Ah eu vou contar!
                Teve uma vez que o guitarrista (que aliás toca muito bem. Beijo pra você, Topanga) em uma de suas apresentações de leitura de poemas num sarau,  tacou fogo na folha, enquanto ele ia rodando-a e lendo o poema que estava escrito em forma de caracol – era uma prática muito comum essa traquinagem com fogo. O problema disso tudo é que o ser estava bêbedo e não percebeu que o fogo chegava perto de sua mão. Quando o fogo atingiu tal membro, o guitarrista começou a declamar de cabeça (quem diria, ein) o poema, enquanto sua mão ardia no fogo do inferno.
                Saldo: queimaduras de terceiro grau a menos de 24 horas da apresentação, que aliás era umas das primeiras.
                Esse dia o baterista estava bem bêbedo, mas não feriu ninguém e nem se feriu. Saldo positivo.
                Eis que agora no dia 08/10, a tal banda supracitada se apresentará em Monte Azul Paulista, terra do duo Que miras Chicón?. Alguns dias depois do baterista receber o e-mail de convite, um filho duma rapariga não parou no cruzamento onde a preferencial era da charrete do homem das baquetas, colidindo bem na porta do carro. O impacto foi deveras forte, causando um trauma momentâneo ou não (ressonância sexta-feira, lembrar) no joelho direito do cabrón. E agora, apresentação comprometida?
                O melhor de tudo é que esse ser meio que Dr. House conseguiu uma licença do trampo, o que lhe rendeu tempo hábil para refletir sobre a vida, escrever, pintar, vadiar, meio que compor. Foi muito vindouro a pausa na vida corrida.
                O problema é o carro, o problema maior é a apresentação.
                O joelho doeu um bom tempo, exatos 10 dias. Agora já se mostra forte o bastante pra aguentar uma viagem e uma boa noite de música. Logo, esse momento é único na vida do Nullius Avarus! Alguém se machucou, mas mesmo assim rolará a apresentação! (é, eu sei, ainda tem a viagem...tem o inferno astral...)
                Deu sono, acho que o texto acabou.
                Só quero deixar claro que estas situações são bem estressantes, só que no final vira uma alegria só! Uma cachaçada doida e os dois gritando e espancando os instrumentos... com muito carinho porque são caros...

sábado, 10 de setembro de 2011

carona







- nossa, que bom que você parou, eu já estava na estrada há umas duas horas nesse ponto, ninguém parava.

 - é, né... para onde você está indo?

 - São Paulo

- certo. Bom, vou até Sorocaba. Te deixo no trevo. Daí para chegar em São Paulo é fácil. ...  Deve ser difícil conseguir carona, né. Eu mesmo não costumo dar. Só parei mesmo porque vi que você é músico. O que você toca?

- então, toco guitarra. É que vou tocar esse fim de semana e como o pessoal do bar não nos deu grana para viajar...

- pô, o pessoal não ajuda nem com a viagem?

- é, tocamos sem receber. Aliás, nós pagamos para tocar, né. viagem custa caro... enfim, como não nos pagaram, nós resolvemos pegar carona. Como tava difícil, nos separamos. O outro que estava comigo já conseguiu. Só faltava eu.

- porra, heim. Ter que pagar para tocar é foda, heim.

- é ... a gente tem que se sujeitar as vezes, né

- é, sei

- e além de músico, é o quê?

- faço faculdade. psicologia

- psicologia. só tem louco nesse curso, né? eu tive um sobrinho que fazia psicologia. acabou não terminando. ele se drogava muito, acho, ficou bobo depois. hoje ele tem 32 anos e é aposentado por invalidez. sempre vai num lugar lá em campinas.

- puxa!

- mas tem bastante mulher no curso, né?

 - tem sim. Tem bastante.

- o foda é que viado também, né?

- tem bastante gay sim ...

- não gosto de viado. Nessa cidade acho que tem muito. Sempre quando passo aqui e vou almoçar no shopping, fico olhando bem quem está do meu lado. E pra ir no banheiro então: é só entrar pra mijar, já vem dois, um de cada lado ficar olhando seu pau enquanto mija.

- (putz, que cara idiota) hmm.sei..., e o que você faz da vida?

 - trabalho com vendas. Percorro essas cidades toda semana. Trabalhar assim é meio solitário, sabe.

- hmm

 (silencio por alguns minutos)

 - sabe, quando eu era jovem, costumava pegar carona também . mas naquela época era diferente. Acho que era mais seguro. A repressão era maior, a polícia era melhor. O pessoal fica falando hoje de época militar ter sido ruim, mas pelo menos era seguro.

 - (ai meu deus, onde é que eu me enfiei?)

 - esses dias um guarda me parou. Ele tava com duas mulheres. Falou pra eu dar carona para elas. Dei, né. Ai uma já foi falando assim para a outra. ‘’ó, se tiver que dar, dá você dessa vez porque eu to cansada’’. Elas tinham acabado de pegar carona com um caminhoneiro que tinha cobrado a carona comendo uma delas. ‘’não, não quero comer você não, vocês não me agradam’’ falei. Elas pensando que eu ia comer elas...ai ai ai. Você tem namorada?

- tenho sim.

- hmm, e ela deixa você pegar carona assim?

- não gosta muito não.

-  é perigoso, né. Tem uns caras que abusam mesmo. E você? Tem medo de pegar carona? Porque assim como quem dá carona, quem pega deve ter algum medo também, né? Qual é o seu medo?

 - ...(começo a olhar ressabiado para o cara) não tenho muito medo não, mas fico com pé atrás de quererem me roubar.

 - e de ser estuprado? Não tem medo não?  E de ser morto?

- por que a pergunta?

- calma, calma. To te assustando, né? Só estou perguntando. Pra fluir uma conversa. É bom conhecem quem está andando com você.

- não. Não tenho medo não. (olhando fixo para a cara, ressabiado)

- sei. Mesmo se a pessoa tiver uma arma?

- (puta que pariu. To ferrado) mesmo assim!

- gosto de gente assim como você, com fibra, sabe. Sangue no olho. Por que já ouvi muita gente dizendo que deixaria ser estuprado para não morrer. É bem legal esse ideal de lutar por você mesmo. Gosto disso.

(silencio de muitos minutos)

 - me fala uma coisa. Que tipo de som é o de vocês?

- é rock. ...um tipo de rock.

- hmm um ex. namorado da minha filha era rockeiro também. Tinha uma banda lá em Sorocaba. Acabou morrendo, coitado. Num acidente de carro. Ele até parecia com você: Tinha uma barba assim, um cabelinho desse jeito. Um sorrizinho também.

- ah. Que triste, né

- não sei se foi triste não. Eu não gostava muito dele para dizer a verdade. Mas que isso só fique aqui. Eu nunca contei isso para ninguém.

-  e por que está contando para mim agora?

- porque você faz psicologia. (e ri) brincadeira. Porque não nos conhecemos e eu sei que você não contará a ninguém ... olha, eu acho que vou precisar parar ali naquele posto para dar uma mijada, viu.

 - tá bem.

 - meu pau tá cheio e mijo, preciso dar uma esvaziada nele, sabe? Colocar ele pra fora,  mandar ver. Mandar ver tudo mesmo. E ficar aliviado depois.

 - sei...

(paramos no posto)

- bom, vou lá dar uma mijadinha. (abre a porta, percebo que ele pega uma arma que estava de baixo do banco e coloca no bolso, e deixa aparecendo um pouco da coronha), vou fechar o carro. Você não vem?

- não não. Pode ir.

- olha, acho melhor você ir ...porque depois você vai ficar com vontade e ainda falta muito até Sorocaba

- mas não estou com vontade mesmo

- tá bem então

- (putz. Vou pegar minhas coisas e cair fora daqui. Eu que não vou ficar com esse cara.  Ainda bem que nesse posto até que tem um pessoal, preciso pegar minha coisas)

(alguns minutos)

- pronto, vamos?

- é. Então, enquanto você foi no banheiro, conversei com um caminhoneiro, ele tá indo direto para São Paulo e vai parar perto de onde eu preciso. Vou com ele daqui.

- você tem certeza? Comigo, até Sorocaba você está garantido e seguro.

- eu sei, mas é que com ele já vou direto, obrigado pela carona. vou pegar minhas coisas no carro.

- bom, se é o que você quer. Tudo bem.

 - é...

- boa sorte ai na estrada e bom show. cuidado, tem muito maluco que a gente nunca sabe o que pode fazer, né.

- pode deixar

(peguei minhas coisas e ele foi embora, voltei para a pista, 30 minutos pedindo carona. 6 horas depois estava onde precisava, aliviado.)

domingo, 4 de setembro de 2011

fotos do paulinho



Gostaria de comentar sobre um ensaio fotográficosensual que fizemos em um sítio no interior de Minas Gerais com o fotógrafo P. Costa (vulgo Paulinho, que usa óculos preto, toca guitarra sem camisa e não gosta de ser incomodado ao dormir. como sabemos disso? nem queira saber. sabemos de muitas outras coisas sobre o Paulo). mas vou parar de enrolar pois vou acabar me comprometendo enquanto banda e também comprometendo o Paulinho.(o link do blog dele - http://pcostafotografia.blogspot.com/ )

essas fotos foram tiradas no sítio do Chico entre Governador Valadares e Ipatinga, dois lugares em que tocamos em Minas. Aliás, a experiência em tocar nessa cidades foi uma coisa de louco. Antes do show em Governador, teve a Polícia Militar, a Polícia Civil, a OMB, a Vigilância Sanitária e também o Conselho Tutelar. nunca vi tanto carro de polícia tão perto de mim. rolou discussão com a OMB porque ninguém tinha carteira dos músicos (aliás, agora é definitivo, até onde me consta: não é mais necessário ter a carteira da ordem em todo território nacional). foi incrível esse evento paralelo que rolou fora do bar. depois que rolou essa distração, o nosso show começou, depois teve Os Relpis, depois O Clube dos Canalhas e depois o Basura. já falamos dessas bandas em outro momento e o quanto gostamos deles, né. pois é, foi gostoso como salto alto no tórax (ou vela quente).

daí que um dia de manhã, entre um show e outro (lá em Ipatinga foi divertido também, o show foi numa escola pública, o pessoal tava todo dançante. foi um arraso), nós e o Paulinho fomos desbravar o sítio e tiramos essas fotos que vocês já devem estar vendo (segue também partes dos comentários da banda sobre as fotos)

tá com cara de foto de banda mesmo. o guilherme com cara intimidadora e o andré com uma interrogação levando nos a pensar sobre a intimidação interrogativa da atualidade em que as pessoas se sentem intimidadas e intimidadoras sem a clareza do porquê.
o carrinho mostra a questão lúdica e já antecipando nosso álbum que terá várias referências ao nomadismo sedentário pelo qual a banda tem passado.

dois polos contido de tensão que, pela linguagem sonora não é possível expressar devido a ausência de voz (lembrando que estamos inseridos numa sociedade muito mais visual do que qualquer outra linguagem. por isso a foto cumpre muito bem o seu papel de  registro.

um momento de pensar na morte da bezerra (vazemos muito isso para a construção das músicas) e nada melhor que um café


o guilherme está se achando gordo e o andré, se achando corcunda

é a Alegoria da Caverna (do Platão) - (também tem outras coisas que poderíamos falar sobre essa foto, mas por ora, deixemos só isso)

o guilherme numa das poucas aparições sem óculos e com carinha de roqueiro do finalzinho da década de 60 por que tem mais um pega com a psicodelia (participação da Fernanda nesse comentário)


 é a foto mais emblemática porque mostra o incômodo nas relações - é um dedo molhado no ouvido. (o dedo na orelha também parece um plug de guitarra )


 o guilherme pensando em alguma e o andré falando ''ih, olha lá''  - o cabelo do andré parece cabelo de iê iê iê.


 mesmo juntos, estamos sozinhos nessa condição humana, que apesar  social, é vivida e pensada como individual.